2025 terá menos ovos de Páscoa, chocolate mais caro e produtos com menos cacau; entenda
Preço da amêndoa encareceu 190% em 2 anos na bolsa de Nova York. O setor teve o seu terceiro ano seguido de déficit da produção no mundo em 2024. Páscoa com menos ovos, chocolate mais caro e produtos com menos cacau
Já pensou uma Páscoa com menos chocolate e ovos mais caros? Esse é um dos cenários previstos por economistas e representantes do setor para este ano, em meio às altas do preço do cacau que atingiu um pico em dezembro.
Na ocasião, a tonelada de cacau chegou a ser comercializada por US$ 11.040 na cotação da bolsa de valores de Nova York, uma alta de 163% na comparação com o mesmo mês em 2023.
Esse aumento é impulsionado pelos problemas climáticos nas lavouras dos maiores produtores do fruto do mundo, localizados na África. O continente representa 70% do fornecimento mundial da amêndoa. É o caso da Costa do Marfim, maior produtora, que sozinha gera 45% do cacau do planeta.
E isso afeta o chocolate brasileiro, já que o cacau é uma commodity, ou seja, o seu preço é definido internacionalmente.
Ao longo do ano passado, os produtores dos chocolates industrial e artesanal usaram estratégias para driblar a alta e não repassar o preço para os consumidores finais, como optar por mais mix de produtos e diminuir o tamanho da embalagem.
Mas isso pode ficar mais difícil na Páscoa, uma vez que a amêndoa usada para fazer o chocolate para o feriado foi comprada no segundo semestre do ano passado, quando o preço da amêndoa atingiu o pico.
Além disso, este ano terá menos ovos de chocolate sendo comercializados. Serão produzidos cerca de 45 milhões de unidades, uma queda de 22,4% na comparação com 2024, quando a fabricação foi de 58 milhões, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados (Abicab).
A produção mundial de cacau teve o seu terceiro ano seguido de déficit em 2024. Isso significa que os países produzem menos cacau do que consomem, afirma Anna Paula Losi, presidente-executiva da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC).
Desde a safra 2021/2022, os países já deixaram de produzir 758 mil toneladas, segundo a Organização Internacional do Cacau (ICCO).
Apesar de o Brasil contribuir com cerca de 4% da produção mundial de cacau, o país não consegue suprir a própria necessidade do fruto.
No ano passado, por exemplo, o mercado brasileiro demandou cerca de 229 mil toneladas, mas colheu apenas 179.431 mil, uma queda de 18,5% em relação a 2023.
O volume moído também representou uma retração na comparação com o ano anterior, quando foram industrializadas 253 mil toneladas. O principal motivo é a queda na demanda devido ao preço do chocolate, segundo a presidente-executiva da AIPC.
Ainda assim, para os pesquisadores entrevistados pelo g1, há potencial para aumentar a produção, uma vez que o país possui o clima ideal e tem espaço para isso.
Para os especialistas, uma melhora significativa do setor pode levar no mínimo 6 anos, tempo em que um cacaueiro recém-plantado começa a dar uma boa produção.
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O que esperar para a Páscoa?
A alta do cacau tem sido repassada aos poucos aos consumidores de chocolate. Nos acumulados dos 12 meses até janeiro, o preço do chocolate em barra e do bombom subiu 16,53%, enquanto o chocolate e o pó achocolatado encareceram 12,49% segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A indústria chocolateira adotou algumas estratégias para minimizar esse impacto e preservar o número de consumidores. Algumas delas foram diminuir o tamanho das barras e lançar mais mix de produtos, diz Francisco Queiroz, analista da consultoria Agro do Itaú BBA.
“Dentre as preferências do brasileiro, o chocolate ao leite segue sendo o favorito, porém o mercado investe em novas combinações com frutas, amendoim, pistache, diversificando a gama de produtos, com diferentes intensidades de cacau e tamanhos”, informou nota da Abicab.
Ao g1, o o vice-presidente da Cacau Show, Daniel Roque, afirmou que os produtos para a Páscoa desse ano não tiveram redução de tamanho. Segundo ele, quando a medida foi tomada em casos anteriores foi apenas considerando uma melhora na experiência de consumo.
Além disso, ele informa que as combinações com chocolate não foram lançadas por causa do preço do cacau, mas por lembrarem sobremesas e terem demanda.
Em agosto de 2024, questionadas pelo g1, as empresas Nestlé e Mondelez Brasil (dona de marcas como Lacta, Bis e Oreo) afirmaram ter lançado produtos de diferentes tamanhos para atender à necessidade de mercado.
As duas empresas foram questionadas sobre a perspectivas para a Páscoa, mas não responderam até a publicação da reportagem.
“O chocolate com certeza será mais caro [nessa Páscoa] do que foi no ano passado”, diz Queiroz.
Isso porque parte do chocolate vendido agora foi comprado no final do ano passado, quando os preços estavam mais altos, uma vez que as compras costumam ter cerca de pelo menos três meses de antecedência, explica o analista.
Por outro lado, Anna Paula Losi, da AIPC, lembra que o cacau é apenas um dos ingredientes do chocolate. Por isso, é possível impedir que o preço suba na mesma proporção que o da amêndoa.
Há outros fatores que impactam o preço quando se trata dos ovos de Páscoa: a infraestrutura e a logística de transporte, pois são produtos muito frágeis, explica Marcos Silveira Bernardes, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP) e produtor de cacau.
Para esta Páscoa, a Cacau Show realizou um reajuste entre 8% e 10% nos preços, disse Roque. Ele pontua que o valor é abaixo da alta da amêndoa e que o setor perderá rentabilidade, para não encarecer ainda mais o chocolate.
Apesar da alta, o vice-presidente informou que a demanda de Páscoa se mantém a mesma do ano passado para o período. Além disso, ele espera que haja um crescimento dos consumidores, devido à empresa ter aumentado o escopo de produtos em diversas faixas de preço.
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Por que o cacau está tão caro?
O cacau foi a commodity que mais encareceu no ano passado.
Essa alta foi causada, principalmente, por problemas climáticos na África. Por causa do El Niño, o continente sofreu com estiagem, excesso de chuvas no momento errado, pragas e doenças, como a podridão parda (causada por um fungo, que deixa o fruto com um cheiro característico de peixe), aponta Queiroz.
Há ainda um outro problema: as árvores na Costa do Marfim e em Gana, segundo maior produtor mundial, são muito velhas e não houve investimento para sua renovação ao longo dos anos.
“Além de deixar a árvore mais suscetível às questões climáticas, acaba também reduzindo a produtividade dos pomares”, diz o analista da consultoria do Itaú BBA.
O cacau é uma cultura perene, o que significa que um mesmo cacaueiro pode dar frutos por muitos anos. Mas Losi, presidente-executiva da AIPC, destaca que é preciso fazer uma renovação da lavoura a cada 15 ou 20 anos para manter uma boa produtividade.
A razão de os produtores não terem feito essa renovação é porque se trata de um alto investimento e, segundo Bernardes, o cacau deixou de remunerar o agricultor, o desestimulando.
“O produtor sempre acreditando que haveria alguma melhoria, o que nunca acontecia. E o preço baixo se prolongou até o abandono das lavouras”, afirma Queiroz.
Isso tudo refletiu na produção. A Costa do Marfim, por exemplo, teve uma queda expressiva no último ano. A colheita de 2,12 milhões de toneladas na safra 2022/2023, diminuiu para 1,8 milhões de toneladas em 2023/2024.
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Como está a situação no Brasil?
O Brasil, 6° maior produtor do mundo de cacau, não passou ileso pelos problemas climáticos. O El Niño também afetou a safra nacional e colaborou na elevação dos preços.
Segundo a presidente-executiva da AIPC, o Brasil também sofreu com pragas e doenças. Na Bahia, por exemplo, houve incidência da podridão parda. “Tem produtor que me contou que perdeu mais de 60% da produção”, relata.
Na indústria moageira brasileira, os estoques de cacau começaram o ano em baixa. Losi conta que o normal é moer cerca de 60 mil toneladas no primeiro trimestre. Este ano, o recebimento de carga nacional não chegou a 20 mil toneladas.
“Se a gente vem de um ano que a produção foi baixa, o recebimento foi baixo, a gente acaba tendo que importar o volume para garantir que as fábricas não vão parar nesse período”, diz a presidente-executiva.
Mesmo antes da crise, o Brasil não produzia o suficiente para atender o mercado interno.
No passado, o país já chegou a ser autossuficiente, mas, na década de 80, teve as lavouras dizimadas pela doença vassoura-de-bruxa, que deixa os ramos do cacaueiro secos, como uma vassoura velha. Até hoje, o setor tenta voltar aos patamares anteriores, explica Losi.
Em 2024, os principais estados produtores tiveram queda no volume de amêndoas, segundo a AIPC. A Bahia, maior fornecedora no período, teve queda de 61,8% na produção e o Pará, segundo maior, de 11,9%.
Quando o preço vai melhorar?
As expectativas para 2025 são de um possível aumento da produção mundial, com uma queda na demanda. Os dois fatores podem fazer com que o preço melhore.
“Em algum momento essa alta de preço chegou no consumidor e ele reduziu o seu consumo. As chocolateiras, não vendo muita vazão para o seu produto, também demandaram menos da indústria moageira”, explica Losi.
Contudo, a presidente-executiva diz que o mercado ainda é incerto e tudo depende da safra que está em andamento.
Para Queiroz, analista da consultoria do Itaú BBA, a expectativa é de que a safra na África seja melhor, por causa do clima mais amenos.
Outro ponto é que os produtores que conseguiram lucrar investiram na lavoura, bem como novos produtores decidiram entrar no mercado visando os altos valores de comercialização.
“Acaba se refletindo nos preços, mas não vai voltar aos patamares que eram há 2 anos. A gente vê os preços cedendo, mas vão seguir em patamares altos”, explica.
Isso porque o cacau leva entre 5 e 6 anos para dar uma boa safra, após o plantio. Então, os investimentos vão demorar para refletir na lavoura.
Para Bernardes, da Esalq/USP, os preços tendem a cair quando a safra africana finalizar e chegar ao mercado, podendo chegar a US$ 6 mil a tonelada. Mas, para o final do ano, os preços recordes podem retornar.
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Foto de Junior REIS na Unsplash