Parecer científico aponta falhas no estudo de viabilidade da Ferrogrão, projeto de ferrovia que liga PA ao MT para escoar grãos
Relatório afirma que ferrovia vai induzir desmatamento em área equivalente área a cem parques Ibirapuera, de São Paulo. Um novo parecer técnico aponta falhas estruturais na atualização do estudo de viabilidade da Ferrogrão – projeto de ferrovia do Governo Federal de quase mil quilômetros exclusivos para escoamento de grãos do distrito de Miritituba, em Itaituba, no Pará, até Sinop, no Mato Grosso.
De acordo com o relatório, a ferrovia vai afetar rios do Pará e induzir desmatamento superior a 2 mil quilômetros quadrados – área que caberia cem parques Ibirapuera, de São Paulo.
O documento elaborado por cientistas do Grupo de Trabalho Infraestrutura e Justiça Socioambiental (GT Infra) cita também impactos socioambientais, como desmatamento, grilagem de terras no percurso da ferrovia, além de prejuízos às comunidades tradicionais e também aos rios com aumento de número de portos, fluxo de balsas e dragagem do rio.
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O parecer “Análise da atualização do EVTEA da Ferrogrão sob a ótica da Governança Territorial” teve contribuições de especialistas da Universidade Federal do Oeste do Pará, (UFOPA), Universidade Federal do Pará (UFPA) e de organizações da sociedade civil.
Lançado na quinta-feira (20), o estudo analisa o Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) e aponta que a versão apresentada em 2024, mas mantendo os mesmos parâmetros dos estudos originais de 2014. Segundo os pesquisadores, entre as principais fragilidades do projeto estão:
falta de avaliação de impactos cumulativos;
ausência de mecanismos para impedir a grilagem de terras públicas no percurso da ferrovia;
omissão de riscos climáticos e ambientais que afetam diretamente o Pará.
O Ministério dos Transportes, responsável pelo projeto, disse, em nota que irá se debruçar sobre os estudos apresentados pela sociedade civil e que todos os estudos da Ferrogrão realizados consideraram a legislação brasileira – confira posicionamento completo ao final.
Brent Millikan, membro do GT, afirmou que “o parecer técnico independente identificou elevados riscos de desmatamento e outros danos socioambientais da Ferrogrão, relacionados, em grande medida, a fragilidades de governança territorial na região de influência que não foram devidamente analisados na atualização do estudo de viabilidade do empreendimento”.
“Causa estranheza que a atualização do estudo foi baseada nos mesmos Termos de Referência elaborados originalmente em 2014, apesar de todos os alertas de cientistas e de organizações da sociedade civil, inclusive no âmbito de um grupo de trabalho criado pelo Ministério dos Transportes”, disse.
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g1 Arte
Impacto na bacia hidrográfica
Caso saia do papel, a Ferrogrão vai atravessar uma das regiões apontadas como uma das mais sensíveis da Amazônia, a da bacia hidrográfica do Tapajós, passando próximo a florestas públicas, terras indígenas e unidades de conservação.
Nessa região, os pesquisadores que assinam o documento destacam que a ferrovia aumentará o fluxo de carga no Rio Tapajós, intensificando a pressão sobre a hidrovia e o complexo portuário de Miritituba, uma área importante para o setor de grão, principalmente a soja.
Eles afirmam que o tráfego intensivo de barcaças pode gerar erosão nas margens, comprometer a qualidade da água e afetar a pesca, atividade essencial para comunidades ribeirinhas e povos indígenas.
O GT chama atenção também para a seca histórica de 2023-2024, que é um alerta para os riscos do projeto, já que a intensificação da exploração do Tapajós pode tornar a navegação mais difícil e demandar obras de dragagem.
“A Ferrogrão é apenas um capítulo de um projeto maior do corredor logístico. Um grupo de pessoas decidiu que os grãos do Mato Grosso devem ser escoados pelo Pará. Para isso, um conjunto de intervenções já estão acontecendo: aumento de número de portos, aumento de fluxo de balsas e dragagem do rio. A conclusão é que não adianta falar só de Ferrogrão, temos que falar do corredor logístico e o Governo precisa ter essa clareza”, explicou Vinícius Honorato, professor de arqueologia da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) e co-autor do parecer.
Conflitos fundiários e expansão da grilagem
Os especialistas afirmam, ainda, que o estudo demonstra que grileiros já utilizam a expectativa da Ferrogrão para ocupar terras públicas. Por outro lado, a regularização fundiária na região continua sendo desafio, aumentando riscos de conflitos agrários e violência contra defensores ambientais.
No caso da rodovia BR-163, por exemplo, principal via de passagem de caminhões de carga na região, houve impulsionamento do desmatamento e a especulação fundiária. Segundo o parecer, a Ferrogrão pode repetir e aprofundar o ciclo. Como o professor Honorato detalhou, “não há garantia de que o transporte de carretas vá diminuir na BR-163, com a implantação da ferrovia”.
“Pelo contrário, o que vimos na análise é que vai aumentar. Uma parte importante dos campos de cultivo estão fora do traçado da Ferrogrão, então a ferrovia vai demandar mais infraestrutura e intervenções não apenas na floresta, como também no rio Tapajós com aumento de portos, dragagem do leito e aumento de transporte de balsas”.
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O que diz o Governo Federal
O Ministério dos Transportes informou em nota que “irá se debruçar sobre os estudos apresentados pela sociedade civil, principalmente aqueles que representam inovações ao planejamento da infraestrutura de transportes, e considerá-los no que for pertinente, assim como fez na inclusão da Análise Custo-Benefício (ACB)”.
“Todos os estudos da Ferrogrão realizados até o presente momento consideraram a legislação brasileira, as premissas que precisam ser observadas para a organização desses estudos, e a atuação das equipes técnicas da INFRA S.A., responsável pela modelagem do projeto”, afirmou.
Ainda segundo o Ministério, o empreendimento é complexo e “soluções de planejamento global serão inseridas no novo Plano Nacional de Logística (PNL), organizado pelo Ministério dos Transportes, para que o planejamento da infraestrutura brasileira seja robustecido para as próximas etapas”.
“Por fim, é importante ressaltar que o Ministério dos Transportes mantém canais de comunicação sempre abertos com a sociedade civil, com o propósito de encontrar as melhores soluções para uma infraestrutura de transportes eficiente e sustentável”, finalizou.
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