Denúncia do golpe: Primeira Turma do STF retoma julgamento que vai decidir se Bolsonaro e aliados se tornam réus
Será a terceira sessão sobre o tema. O julgamento começou com duas sessões na terça-feira (25), com apresentação de argumentos e análise de questões processuais. STF encerra sessão e vota na quarta-feira se aceita denúncia contra Bolsonaro
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decide nesta quarta-feira (26) se o ex-presidente Jair Bolsonaro e sete aliados viram réus por tentativa de golpe de Estado. A sessão está marcada para as 9h30.
O que deve acontecer hoje:
O relator, Alexandre de Moraes, deve apresentar seu voto no mérito, ou seja, sobre o pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) para iniciar uma ação penal no tribunal.
Na sequência, devem ser apresentados os votos dos demais ministros da 1ª Turma, na seguinte ordem: Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
O colegiado vai decidir se o caso deve prosseguir e se transformar em uma ação penal.
Se isso ocorrer, os envolvidos se tornam réus e vão responder a um processo penal na Corte.
Como foi o primeiro dia:
Moraes leu o documento que lista as condutas de Bolsonaro e dos demais acusados e falou em ataques sucessivos à democracia.
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, apresentou seus argumentos e citou a conduta de Bolsonaro na disseminação de ataques às urnas.
As defesas dos sete acusados e de Bolsonaro apresentaram seus argumentos (leia aqui um resumo).
Os ministros rejeitaram as chamadas questões preliminares, questionamentos apresentados pelos advogados.
Fux foi o único a divergir dos colegas. Ele entendeu que a denúncia do golpe deveria ser julgada no plenário do Supremo.
Bolsonaro foi ao STF acompanhar o julgamento
Gustavo Moreno/STF
Veja como foi o primeiro dia e os detalhes do julgamento:
1. O detalhamento do caso por Moraes
O relator do processo, o ministro Alexandre de Moraes, deu início ao primeiro dia do julgamento com a leitura do seu relatório. Ele listou a conduta de Bolsonaro e dos sete acusados.
Na introdução da sua fala, o ministro afirmou:
“A natureza estável e permanente da organização criminosa é evidente em sua ação progressiva e coordenada, que se iniciou em julho de 2021 e se estendeu até janeiro de 2023. As práticas da organização caracterizaram-se por uma série de atos dolosos ordenados à abolição do Estado Democrático de Direito e à deposição do governo legitimamente eleito.”
Moraes também citou os atos definidos por ele no inquérito até aqui, como a derrubada do sigilo de Mauro Cid. E listou os argumentos e requerimentos da defesa para questionar a realização do julgamento.
No fim da leitura, a fala foi interrompida por gritos vindos de fora do plenário. O ex-desembargador Sebastião Coelho, atual advogado de Felipe Martins, gritou palavras de ordem, como “arbitrário”, e foi retirado do local. Ele chegou a ser detido e liberado em seguida.
2. Os argumentos de Paulo Gonet
Primeira Turma do STF julga denúncia sobre Bolsonaro e aliados.
Fellipe Sampaio /STF
A apresentação dos argumentos da PGR, chamada de “sustentação oral”, foi feita pelo procurador-geral, Paulo Gonet, e durou 30 minutos. Durante a fala, ele:
citou a conduta de Bolsonaro na disseminação de ataques às urnas;
lembrou a reunião ministerial de julho de 2022, em que se falou de “uso da força”;
citou as ocorrências após o segundo turno das eleições, como os acampamentos que pediam intervenção militar;
relembrou que “a resistência dos comandantes militares lhes custou o recrudescimento de campanhas públicas de ódio”;
citou o 8 de janeiro, o ataque às sedes dos Três Poderes;
afirmou que “nem houve supressão de dados em detrimento das defesas nem, tampouco, pode-se invocar o ‘document dumping’ [uma tática de fornecer um grande volume de documentos sem a devida organização, dificultando a análise]”;
disse que fatos citados pelo ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, estão confirmados por outros elementos de prova.
“A documentação encontrada nas ações policiais permite situar a data de 29 de julho de 2021 como aquela em que Jair Bolsonaro deu curso prático ao plano de insurreição”, afirmou Gonet.
Naquela data, o então presidente prometeu apresentar provas de fraudes nas urnas. Gonet lembra que Bolsonaro “realizou transmissão ao vivo das dependências do Palácio do Planalto pela internet”.
“A partir daí, os pronunciamentos públicos progrediram em agressividade aos poderes constituídos”, prosseguiu o procurador-geral.
Em outro momento, Gonet frisou que os generais foram decisivos “para que o golpe, mesmo tentado, mesmo posto em curso, não prosperasse”.
3. O que disseram as defesas
Depois de Gonet, os advogados dos acusados apresentaram os seus argumentos. Cada representante teve 15 minutos, em ordem definida pelo presidente da Primeira Turma do STF, Cristiano Zanin.
Celso Vilardi, defensor de Bolsonaro, afirmou que, após vasta investigação, não foi encontrado nenhum documento comprometedor com o ex-presidente.
O advogado do ex-ministro Braga Netto, José Luís Oliveira Lima, o “Juca”, afirmou que a PGR não apontou elementos que individualizassem a conduta criminosa do militar. (leia aqui o que disseram os advogados dos oito acusados).
4. As questões preliminares rejeitadas
Na segunda parte do julgamento, após o almoço, o relator Alexandre de Moraes tratou das chamadas questões preliminares – questionamentos processuais levantados pela defesa, como a competência do colegiado para o julgamento, por exemplo.
Todos os pedidos dos advogados foram rejeitados.
Os ministros julgaram recursos que questionavam:
➡️a suspeição do relator, ministro Alexandre de Moraes, e o impedimento dos ministros Flávio Dino e Cristiano Zanin para julgar o caso;
➡️se o STF é a instância competente para apreciar o pedido;
➡️se o julgamento deve ocorrer na Primeira Turma ou no plenário da Corte, com todos os 11 ministros;
➡️possíveis elementos que podem anular o julgamento: como, ilegalidade na abertura da investigação, e as circunstâncias do recolhimento de provas;
➡️nulidade do acordo de colaboração premiada de Mauro Cid.
Sobre a competência do STF e da 1ª Turma para julgar a denúncia, Fux divergiu dos demais. Ele entendeu que o caso deveria ser julgado no plenário do Supremo. Apesar da posição de Fux, a maioria dos ministros seguiu o relator e votou para manter o julgamento onde está.
A ordem de votação na Primeira Turma é a seguinte: Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, que preside o colegiado.
5. O que diz a denúncia
A denúncia é um pedido para que a Justiça inicie uma ação penal contra uma pessoa acusada de crime. Ou seja, é uma proposta que inaugura um processo para apurar se ocorreu um delito e os responsáveis por ele.
Com base em investigações realizadas pela Polícia Federal — reunidas em um relatório entregue no fim do ano passado —, a PGR apresentou ao Supremo cinco pedidos de abertura de ação penal.
Os 34 denunciados foram divididos pelas cinco acusações. Só uma delas está sendo analisada nesta quarta-feira (26).
Bolsonaro e aliados ainda não são réus nesta apuração específica. Só passam a esta condição se o pedido for admitido pelo Supremo.
Também não são condenados. Isso só vai acontecer se, no final da ação penal, o STF julgar que houve crime e que eles devem ser punidos.
6. Análise da denúncia e recursos
Neste momento inicial, a Corte avalia se a denúncia da PGR atende aos requisitos previstos em lei para tramitar: se a denúncia tem justa causa e se ela é ou não “inepta”. Se não atender às regras, o pedido é rejeitado.
O Supremo tem entendimentos no sentido de que, nesta fase de recebimento da denúncia, deve ficar demonstrado se há elementos mínimos de prova aptos a sustentar a acusação.
Isso porque a avaliação completa do caso será feita de forma abrangente durante o processo penal, em que será garantido à todas as partes o direito de apresentar seus argumentos.
Tanto a PGR quanto os acusados podem recorrer da decisão no próprio STF. Podem ser apresentados, por exemplo, pedidos de esclarecimentos sobre a decisão tomada pelo conjunto dos ministros.
7. Quem são os oito acusados
Jair Bolsonaro, ex-presidente;
Alexandre Ramagem, ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin);
Almir Garnier Santos; ex-comandante da Marinha do Brasil;
Anderson Torres; ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal;
General Augusto Heleno; ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência;
Mauro Cid; ex-chefe da Ajudância de Ordens da Presidência;
Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; e
Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil.
8. Quais são os crimes
O órgão de cúpula do Ministério Público apontou que houve cinco crimes:
➡️abolição violenta do Estado Democrático de Direito: acontece quando alguém tenta “com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. A pena varia de 4 a 8 anos de prisão.
➡️golpe de Estado: fica configurado quando uma pessoa tenta “depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”. A punição é aplicada por prisão, no período de 4 a 12 anos.
➡️organização criminosa: quando quatro ou mais pessoas se reúnem, de forma ordenada e com divisão de tarefas, para cometer crimes. Pena de 3 a 8 anos.
➡️dano qualificado: destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia, com violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima. Pena de seis meses a três anos.
➡️deterioração de patrimônio tombado: destruir, inutilizar ou deteriorar bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial. Pena de um a três anos.
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