Ex-volante fala sobre como gagueira atrapalhou carreira e mira Série A como técnico
Leonardo David de Moura carrega, há quase 20 anos, um apelido que o fez conhecido no futebol. Ex-volante e agora trilhando o caminho como técnico na base do Coimbra-MG, Léo Gago trata, sem nenhuma restrição, sobre o problema que virou “sobrenome”. Jogador com passagens por Grêmio, Palmeiras e Vasco – entre outros clubes –, ele mira a elite na nova função no futebol e quer dar aos atletas uma orientação que poderia ter influenciado na carreira dele.
“Foram muitos dias de entrevistas que eu dava “migué” e ia embora. Depois, eu vi que era bom para minha imagem.”
Natural de Campinas, Léo começou a carreira no início dos anos 2000, conseguindo iniciar a trajetória em um clube de Série B em 2005, vestindo a camisa do Ceará. Nos anos seguintes, defendeu o Vozão, o Fortaleza e o Paraná. Conseguiu também boas aparições, que começaram a colocar o então volante como “alvo” da mídia para entrevistas.
Ex-volante, Léo Gago fala sobre perrengues no fim da carreira e início como técnico
Em 2009, disputou a Série A pelo Avaí e passou pelo Vasco, antes de se destacar de vez vestindo a camisa do Coritiba – foi titular absoluto no vice-campeonato da Copa do Brasil de 2011. Passou ainda pelo Grêmio e venceu uma Série B com o Palmeiras, além de ter defendido outros seis clubes até se aposentar, em 2019. Carreira consolidada, mas que poderia ter rendido ainda mais frutos, na visão de Gago, caso tivesse assimilado melhor a timidez causada pela dicção.
– Foi uma coisa não tão boa para minha imagem. Se eu tivesse feito todas as entrevistas que me pediram, até para divulgar mais meu nome… as pessoas compram ideia pelo que escutam, pelo que veem. Foram muitos dias de entrevistas que eu dava “migué” e ia embora. Depois eu vivi que era bom para minha imagem.
“Se eu tivesse esse discernimento quando comecei a jogar, lá em 2005, no Ceará… os caras pediam entrevista, e eu fugia. O nome poderia ter crescido mais, sabe? Até o próprio contrato ser um pouco melhor, porque as pessoas aceitariam mais.”
Léo Gago atendeu ao ge para uma entrevista de quase 30 minutos, falando não só sobre esse tema, mas vários outros em relação ao futebol e à própria carreira. Algo que tirou de lição com a bagagem ao longo da carreira e que considera importante até mesmo para outras pessoas.
– Hoje eu levo na boa (a gagueira). Você pediu para a gente bater um papo, eu falei que seria na hora. É bacana para as pessoas saberem o que eu tenho de pensamento, a vida que eu vivi. A experiência até aqui é boa.
Depois de pendurar as chuteiras e em meio à pandemia da Covid-19, Léo Gago decidiu se mudar para os Estados Unidos, onde começou a dar aulas para crianças em escolinhas nas cidades de Orlando e Austin. Morou por três anos naquele país – onde também tinha como renda a participação como jogador em ligas amadoras – e voltou ao Brasil para trabalhar com futebol. No sub-14 do Coimbra-MG, o assunto da gagueira é levado numa boa.
– É bem tranquilo. Os meninos dão risada, porque eu brinco: “Quase que não sai (a palavra)”. Dou um tapa nas costas, até para ter descontração. Eu sou muito enérgico no campo, brinco até que é o tatame verde. Lá dentro é uma hora e meia de seriedade, intensidade, mas temos que quebrar o gelo. Quando eu dou uma enroscada, eu bato assim (nas costas) para sair. Os moleques dão risada, eu levo na boa.
Atualmente no Sub-15 do Coimbra, que tem parceria com o Porto, de Portugal, Léo Gago almeja se preparar para chegar à Série A do Campeonato Brasileiro como treinador.
“Vou fazer Licença A para estar apto, aprender e, no futuro, subir de categoria e chegar no profissional, na Série A, que é o objetivo. Até lá ainda tem chão, e o futebol e dinâmico demais. Tenho que estudar e me preparar par as oportunidades”
À reportagem, Léo Gago falou sobre o trabalho que realiza no Coimbra – clube que tem parceria com o Porto, de Portugal -, as dificuldades que passou com clubes que não pagavam salários e também sobre o que almeja para a nova carreira. Veja, abaixo, as respostas do técnico sobre os temas.
- O sangue falou mais alto para o pós-carreira?
– O futebol está no sangue desde criança. Eu morei três anos nos Estados Unidos, tentei fugir um pouco do futebol, criar meus filhos em outro país, mas o futebol chama. Está no sangue. Quando eu decidi voltar, eu falei com o Sandro (ex-companheiro no Ceará) que queria ser treinador e começar na base. Mandei meu currículo… agradeço a Deus, ao Sandro pela oportunidade, e ao Coimbra, por abrir as portas. Fui muito bem recebido, desde por quem limpa o chão até o presidente. Estou muito feliz e em casa. O Coimbra tem uma estrutura muito boa, estou muito satisfeito com o que tenho aqui.
- Como está sendo trilhado esse caminho?
– Parei em 2019 e recebi convite para ser auxiliar técnico na A3, com o Grêmio Osasco, mas eu não tinha nenhuma licença. Quando deu dois meses de trabalho, o diretor falou: “Você tem vocação para ser treinador, quer fazer o curso de Licença B?” Eu quis, eles me deram o curso, e eu fiz. Veio a pandemia em seguida e me esfriou bastante nessa vontade. Fui para os Estados Unidos, fiquei três anos. Minha esposa perguntou qual era meu sonho, e eu respondi que era ser treinador de futebol. Tive algumas propostas para ser agente, observar jogadores, mas não é o que está no meu sangue. Meu sangue é estar em campo, bater na bola, ensinar os meninos, mostrar os caminhos. Tenho muito a aprender, mas essa é minha vontade. Pode mudar, mas a princípio é isso que eu mais desejo na minha vida. O Coimbra abriu as portas, um clube extraordinário, simples, mas com tudo que um profissional precisa para se desenvolver.
- Trabalhava com futebol nos Estados Unidos?
– Eu trabalhei com futebol lá, em uma escola de futebol em Austin, no Texas. Depois, morei dois anos em Orlando, trabalhei em uma escolinha do Orlando City, fiz alguns estágios no clube, com uma equipe legal. O nível me deixava triste. Fiz um jogo à tarde, e minha esposa falou: “Você leva muito jeito, tem muita leitura de jogo, tem que ir por esse caminho”. Me apoiou muito, porque a gente estava com a vida estabilizada, uma vida tranquila lá. Liguei para o Sandro, eles aprovaram meu nome, e eu agradeço muito a essas pessoas que me aceitaram.
- Trabalho com crianças nos Estados Unidos
– Quem me levou para morar em Austin foi o Kleber (Gladiador). Joguei com ele no Grêmio, a gente fez uma amizade. Quando fiz o Curso da Licença B, ele me chamou, falou que estava com uma escolinha e me chamou. Acabei indo. Ele foi minha ponte para ir para lá, o cara que me incentivou, deu apoio para mim e para minha família. Minha esposa recebeu uma proposta de trabalho em Orlando.
“O futebol lá é bom, tem muita estrutura, mas nada igual o nosso. O nosso é de outro mundo. O que eu vejo de gente boa que passa e temos que mandar embora… o nível é alto, sarrafo lá em cima. Eu montava treino, ia dar o treino, mas não saía. Eu tinha que dar jogo, porque os meninos não tinham a qualidade e a percepção dos meninos daqui.”
- Jogava campeonatos em torneios amadores por lá?
– A gente acha que é apaixonado por futebol, mas os mexicanos, os hondurenhos, os venezuelanos são muito mais. Os caras trabalham dia de semana, às vezes em obra, para ter o time dele no fim de semana. Eles pegam seis, sete, dez caras, pagam 150, 200 dólares por jogo, dão a gasolina, a comida, só para ver o time ganhando. Eu jogava assim. O Kleber me colocou em um time de um peruano.
“Ele me deu 1.000 dólares. Eram dois dias de treinos, e ele me deu passagem de avião para Chicago, hotel, comida… são dias intensos, joguei três vezes em um dia, um jogo depois do outro. Jogos de 20 minutos. Ia gente do mundo todo. Teve um torneio que levei o Leonardo, que jogou comigo no Coxa, ia levar o Donizete, mas ele estava com o joelho ruim. Levei o Jonathas, ex-América, o Davi, que jogou no São Paulo, no Avaí… levei, os caras pagaram tudo para eles. São apaixonados por futebol.”
– A gente fala que ama o futebol, mas eles trabalham durante a semana para ter um time bom no fim de semana. Agora vai ter o torneio do milhão. Vai Nani (português), um monte de gente. Eu e Renato Abreu seríamos treinadores de um time lá, recrutando os meninos de lá e alguns daqui, mas eu vim embora e deixei o projeto para o Renato. Tem muita gente que vive só desses torneios lá. Conheço até mineiro, um menino que joga todos os dias, aí são 100, 200 dólares por dia. Vai vivendo assim. Se você faz gol, o cara dá 50, 100 dólares. O dólar é valioso. Um para seis é bom demais (risos).
- Como jogador, passou por clubes que não pagavam, né?
– Eu tenho cada história, que é brincadeira (risos). Eu passei em um time que estava na primeira divisão de um Estadual. Demoraram alguns meses para pagar, tinha atleta, pai de família, que não tinha dinheiro para sabonete. Quando eu ia para o hotel, os caras pediam para eu pegar com a camareira. Eu perguntei o motivo, eles falaram que não tinha dinheiro. Eu pegava uma sacola, explicava para a camareira, e ela me dava um monte, e eu entregava a eles na segunda-feira. É inadmissível. É uma desigualdade muito grande. Eu comecei no Ceará, passei pelo Fortaleza e depois pelo Paraná e pelo Avaí. Tive que colocar clube na Justiça depois que passei em time grande, que eu tive um respaldo do meu financeiro. Consegui manter minhas contas em dia, ter minha vida, dar o que eu posso dar aos meus filhos.
- Teve até assinatura falsa pelo caminho?
– Eu cheguei a receber cheque, no final de carreira, que o cara assinou errado. Fez uma assinatura que não era a própria dele. Peguei um avião para ir para casa, depois fui depositar no dia marcado, e o cheque voltou. Olha a sacanagem. É desumano. Eu tinha suporte financeiro, mas e quem não tem, quem não passou em um clube grande, com um contrato bom para ter reserva? Esse foi um dos motivos que me fez parar. Eu estava com três filhos, você vai rodando por seis meses em um lugar, seis em outro… até ganha um dinheiro ainda, porque os caras dão uma luva, pagam bem pelo nome. Mas eu comecei a ir, os caras começaram a enganar, não pagavam, e eu fui viver minha vida perto da minha família, criar meus filhos.
Fonte: ge