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Resposta Histórica completa 99 anos, e Vasco resgata passado de luta contra o preconceito



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Esta sexta-feira marca os 99 anos da Resposta Histórica. Em 7 de abril de 1924, o Vasco se posicionava contra a discriminação racial e social no esporte. O marco ganhou projeção dentro do clube nesta semana e novas ações são preparadas para este dia.

O clube associativo preparou uma pesquisa com referência histórica baseada em imagens, relatos e reportagens da época – o ge teve acesso a esse material em primeira mão. A SAF também entende a importância de ressaltar a história do Vasco e esse feito que é motivo de orgulho para torcedores.

Na última terça-feira, por exemplo, alunos do colégio Vasco da Gama tiveram uma aula magna sobre a Resposta Histórica. O evento aconteceu na Tribuna de Honra de São Januário. Participaram o vice-presidente geral Carlos Roberto Osório, o vice-presidente de história e responsabilidade social Horacio Junior e o historiador Walmer Santana.

Confira alguns trechos do conteúdo preparado pelo Vasco a partir da pesquisa do historiador, que inclui elementos dos anos anteriores à Resposta Histórica:

O racismo na Liga Metropolitana

Em 1907, quando a Liga Metropolitana de Football (LMF) passou a se chamar Liga Metropolitana de Sports Athleticos (LMSA), o jornal “O Fluminense” publicou a seguinte determinação:

“Communico-vos que a directoria da Liga, em sessão de hoje, resolveu, por unanimidade de votos, que não sejam registrados, como amadores nesta Liga, as pessoas de côr. Para os fins convenientes ficou deliberado que a todos os clubs felliados se officiasse nesse sentido, afim que scientes dessa resolução, de accordo com ella possam proceder” – 22 de maio de 1907.

A LMSA foi dissolvida no final de 1907 e uma nova liga surgiu no ano seguinte, sem proibição direta da participação de negros e pobres, mas com eles ainda sendo preteridos.

Alunos do colégio Vasco da Gama participam de aula sobre a Resposta Histórica — Foto: CRVG

Alunos do colégio Vasco da Gama participam de aula sobre a Resposta Histórica — Foto: CRVG

Vasco e o preconceito no remo

Esporte soberano no Rio de Janeiro na virada do século 19, o remo norteou a fundação do Club de Regatas Vasco da Gama em 21 de agosto de 1898. O clube relata que, a partir de 1904, enfrentou o aumento da perseguição aos seus atletas – a maioria imigrantes portugueses e também brasileiros de baixa condição social, empregados como atendentes de balcão no comércio do Rio de Janeiro.

Em 1904, a Federação Brasileira das Sociedades do Remo aprovou medidas que deixavam mais rígidas as inscrições dos atletas no esporte, excluindo “os que exercem qualquer profissão ou emprego que não esteja de acordo com nível moral e social em que deve ser mantido o esporte náutico”. Em 1907, com a tentativa de impor regras ainda mais duras contra competidores inscritos nos últimos anos e, inclusive campeões, o Vasco se posicionou:

“A Federação saltando por cima d’essas qualidades e direitos, decretou a exclusão d’esses amadores que são, entre outras, os que exercem profissões em casas de seccos e molhados, confeitarias etc. A opposição a essa lei por parte da nossa representação foi titanica e apezar de vencidos pelo voto fomos vencedores, pois os legisladores victoriosos não tiveram a força precisa para a tornar em facto”.

Vasco se posiciona contra preconceito social no remo em 1907 — Foto: Reproduçã/Vasco

Vasco se posiciona contra preconceito social no remo em 1907 — Foto: Reproduçã/Vasco

Segue a discriminação no futebol

Em 1917, surgiu a Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (LMDT), e o estatuto instituído trazia o analfabetismo como um dos principais impeditivos para um jogador ser inscrito. A ocupação do atleta seguia como impeditivo. Por exemplo, “aquelles que exerçam profissões humilhantes que lhes permittam recebimento de gorgetas” não poderiam participar.

“No início do século 20, a maior parte da população brasileira era analfabeta, índice historicamente maior sobre a população negra do país”, aponta a pesquisa do historiador vascaíno.

Estatuto da Liga Metropolitana de Desportos Terrestres de 1917 — Foto: Divulgação/CRVG

Estatuto da Liga Metropolitana de Desportos Terrestres de 1917 — Foto: Divulgação/CRVG

O Vasco, até então um clube de remo, aderiu ao futebol em 1915. No ano seguinte, o clube se filiou à Liga Metropolitana para disputar a Terceira Divisão.

Abertura aos excluídos

Depois de uma estreia ruim no futebol, o Vasco encontrou em outras ligas, especialmente no subúrbio carioca, o caminho para se firmar no esporte que se tornava tendência no Brasil. O clube então deu oportunidades a vários jogadores oriundos de equipes pequenas e agremiações dos subúrbios.

Reportagem de cunho racista sobre Nelson da Conceição, o primeiro goleiro negro do Vasco — Foto: Divulgação/Vasco

Reportagem de cunho racista sobre Nelson da Conceição, o primeiro goleiro negro do Vasco — Foto: Divulgação/Vasco

Em 1920, o Vasco recebeu dois “Camisas Negras”, que seriam campeões de 1923: Arthur, do Hellenico Athletico Club, e Torterolli, do Carioca Football Club. Nos anos seguintes, mais atletas que fariam parte daquela equipe histórica foram contratados pelo clube. Em 1922, o time venceu a Série B da Primeira Divisão – no ano anterior, o campeonato havia sido dividido em dois. Um ano depois, o clube foi campeão carioca pela primeira vez.

Vasco alfabetiza os atletas

O analfabetismo, critério da Liga Metropolitana para excluir os atletas, foi tema de jornais da época, que apontaram a cassação de jogadores do Vasco que não eram alfabetizados.

“A directoria da entidade carioca cassou também o registro do excelente forward Torterolli, pertencente à equipe principal do Vasco da Gama, por ser inimigo da literatura” – registrou “O Imparcial” em 1923.

Jogadores analfabetos são perseguidos — Foto: Divulgação/CRVG

Jogadores analfabetos são perseguidos — Foto: Divulgação/CRVG

Para que os atletas conseguissem, mesmo que sem uma boa ortografia, escreverem os dados necessários e assinarem o pedido de inscrição ou opção, o Vasco contou com a ajuda do associado Custódio Moura. Bibliotecário do clube, ele ensinava os jogadores a ler e escrever.

Uma nova liga

Em março de 1924, clubes rivais do Vasco romperam com a Liga Metropolitana e se reuniram para a fundação da Associação Metropolitana de Esportes Athleticos (AMEA). O Vasco foi convidado a se filiar, mas não participou como clube fundador.

– A Comissão Organizadora exigia uma série de informações e documentos para os clubes. Além do nome completo de cada jogador, era preciso informar onde era o atual local de trabalho do atleta e o local anterior – aponta o documento do Vasco.

A AMEA aceitou a inscrição do Vasco desde que o clube excluísse 12 de seus jogadores, sendo sete da equipe principal e cinco do segundo quadro. Em sua maioria, atletas negros e pertencentes às camadas populares da sociedade. A resolução da entidade colocava o Vasco, atual campeão carioca, em desvantagem em relação aos fundadores da nova liga.

Time campeão com o Vasco em 1923  — Foto: Centro de Memória do Vasco

Time campeão com o Vasco em 1923 — Foto: Centro de Memória do Vasco

A Resposta Histórica

Em 7 de abril de 1924, na secretaria do clube, o presidente vascaíno José Augusto Prestes redigiu e assinou o Ofício n.º 261, a “Resposta Histórica”. O Vasco desistia de fazer parte da AMEA e ficaria com seus jogadores.


“Rio de Janeiro, 7 de Abril de 1924.
Officio No 261
Exmo. Snr. Dr. Arnaldo Guinle,
D. Presidente da Associação Metropolitana de Esportes Athleticos.

As resoluções divulgadas hoje pela Imprensa, tomadas em reunião de hontem pelos altos poderes da Associação a que V. Exa. tão dignamente preside, collocam o Club de Regatas Vasco da Gama numa tal situação de inferioridade, que absolutamente não pode ser justificada, nem pelas defficiencias do nosso campo, nem pela simplicidade da nossa séde, nem pela condição modesta de grande numero dos nossos associados.

Os previlegios concedidos aos cinco clubs fundadores da A.M.E.A., e a forma porque será exercido o direito de discussão a voto, e feitas as futuras classificações, obrigam-nos a lavrar o nosso protesto contra as citadas resoluções.

Quanto á condição de eliminarmos doze dos nossos jogadores das nossas equipes, resolveu por unanimidade a Directoria do C.R. Vasco da Gama não a dever acceitar, por não se conformar com o processo porque foi feita a investigação das posições sociaes desses nossos consocios, investigação levada a um tribunal onde não tiveram nem representação nem defesa.

Estamos certos que V. Exa. será o primeiro a reconhecer que seria um acto pouco digno da nossa parte, sacrificar ao desejo de fazer parte da A.M.E.A., alguns dos que luctaram para que tivessemos entre outras victorias, a do Campeonato de Foot-Ball da Cidade do Rio de Janeiro de 1923.

São esses doze jogadores, jovens, quasi todos brasileiros, no começo de sua carreira, e o acto publico que os pode macular, nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu, nem sob o pavilhão que elles com tanta galhardia cobriram de glorias.

Nestes termos, sentimos ter que comunicar a V. Exa. que desistimos de fazer parte da A.M.E.A.

Queira V. Exa. acceitar os protestos da maior consideração estima de quem tem a honra de subscrever.

De V. Exa. Atto Vnr., Obrigado.
(a) José Augusto Prestes
Presidente”

A Resposta Histórica do Vasco — Foto: Divulgação/Vasco

A Resposta Histórica do Vasco — Foto: Divulgação/Vasco

Fonte: GE